Prazer em ser educadora

Graduada em Sociologia Política (USP), História (PUC-SP), Mestre em Ciências Sociais (área educação) UFPE, desde muito jovem me perguntava por que tantas desigualdades sociais no meu país? As respostas que eu obtinha não eram satisfatórias, até que um dia (ensino médio) fiz muitas perguntas a um querido professor de história (Otaviano) e ele me disse: "com tantas dúvidas, acho melhor você estudar História, só ela te saciará ou provocará mais dúvidas ainda, o que fará de você, uma eterna pesquisadora"
Amei aquela resposta desafiadora e assim, paralelo a um período ditatorial me tornei uma mulher questionadora, participante do movimento estudantil universitário, e do primeiro partido da classe de fato trabalhadora do meu país, uma mulher que pouco a pouco vai percebendo o que fizeram com a América Latina, sem nunca deixar de vislumbrar-se com as "coisas" da Europa anglo-francesa.
Aliei a sociologia à história e ambas me dão uma outra visão do mundo, seja nos aspectos econômico-político-sócio-cultural, permitindo-me conviver com as diversidades, com as minorias sem discriminações, aprendi a acreditar em meu país, no meu povo.
Assim posso repassar aos meus alunos das mais diversas idades ou classes sociais, o conhecimento que venho adquirindo no decorrer dos tempos, mostrando a eles que devemos nos qualificar, nos especializar, não para tornarmos apenas um acadêmico, mas para nos transformar em um humanista sensível à inclusão social, acreditando na mudança de um homem quando tem oportunidades.
Foi assim que acabei de certa forma, influenciando ou alicerçando a ideia de alguns alunos a cursarem História ou Ciências Sociais. A eles (últimos) : Trícia, Dimitri , Amanda, Arlan , Laís, Claudia... (não é possível citar o nome de todos) eu dedico esse blog e espero poder tirar dúvidas e compartilhar com todos os amantes das ciências humanas.
Muito prazer em ser educadora ... Beth Salvia

domingo, 20 de fevereiro de 2011

A MULHER NA HISTÓRIA


A Diversidade entre Homens e Mulheres como DesigualdadeTalvez a primeira diversidade percebida pelos e entre os seres humanos tenha sido aquela entre homens e mulheres, tomando por base as suas diferenças biológicas, ou, mais claramente, entre seus corpos.Nem todas as sociedades e culturas humanas, ao longo da História, organizaram e interpretaram as relações entre homens e mulheres da mesma maneira. Especialmente na Pré- História, houve sociedades poliândricas. Contemporaneamente, é possível perceber condições distintas entre as mulheres dos países ocidentais e as mulheres de países muçulmanos. Mais ainda: entre mulheres camponesas e aquelas que vivem nas cidades; entre mulheres das classes sociais altas/médias e aquelas das classes subalternas. De um modo geral, mas não universal, nas mais diversas sociedades, as diferenças sexuais entre homens e mulheres serviram de base para a organização da divisão sexual do trabalho, em que certas atividades foram atribuídas aos homens e outras, às mulheres. Usualmente, aos primeiros se reservaram as atividades da esfera pública e, às segundas, as atividades da esfera privada, vinculadas estas à reprodução da família e à gestão do espaço doméstico.
Tais práticas sociais, ao mesmo tempo em que se concretizavam, propiciavam representações ou interpretações acerca das mesmas, conferindo significados aos elementos masculinos e aos femininos. Assim, masculino foi associado à cultura, àquilo produzido, criado pela ação humana, e feminino foi associado à natureza, àquilo já determinado pela biologia. Essas práticas e representações sociais, por sua vez, engendraram relações de poder assimétricas entre homens e mulheres, estabelecendo a submissão destas àqueles, configurando o patriarcalismo como modelo/padrão dominante da relação entre os dois gêneros. Como se só houvesse este único tipo de relação.
Outras associações vinculadas ao sexo foram sendo elaboradas: atribuiu-se aos homens a racionalidade, o pensamento lógico, o cálculo; às mulheres, a afetividade, as emoções, a intuição. As representações/interpretações dos atributos femininos estavam diretamente articuladas com a procriação e a maternidade.
As formas de viver e pensar o masculino e o feminino tiveram conseqüências concretas: reforçavam a estrutura familiar patriarcal e serviram de justificativa para ações no sentido de acentuar os papéis sociais atribuídos a homens e mulheres. Assim, deram margem, por exemplo, a uma educação diferenciada para meninos e meninas, no sentido de reprodução daqueles papéis sociais distintos, a exemplo de brincadeiras caracterizadas como masculinas e brincadeiras caracterizadas como femininas. Menina não podia jogar bola, tinha que brincar de boneca. Incentivou-se a prática de esportes diferenciados entre os dois gêneros: imagine pensar em mulher jogando futebol, há algumas décadas atrás! Nas escolas de 1º e 2º graus, como eram chamadas até a LDB de 1996, era ministrada para as meninas uma disciplina chamada Educação Doméstica, ou Trabalhos Manuais (bordados, por exemplo), preparando-as, assim, para o casamento, a maternidade, o cuidado com a família. No mercado de trabalho, determinadas profissões eram consideradas masculinas; outras, femininas, a exemplo do magistério, que, aos poucos, foi se feminilizando, isto é, considerado próprio às mulheres.
As lutas das mulheres por direitos
É claro que, historicamente, nem todas as sociedades subalternizaram as mulheres e nem todas as mulheres se deixaram subalternizar. Há muitos exemplos de mulheres que romperam com os papéis sociais a elas atribuídos segundo os padrões da sua respectiva cultura. Desde mulheres proeminentes, de classes elevadas e médias, que ocuparam espaços públicos, até mulheres de classes sociais pobres que, premidas por suas condições de vida, também adentraram ao espaço público, no mundo do trabalho. Mas uma reação de mulheres, de abrangência coletiva, contra a sua subalternização, emerge com a chamada modernidade e o Iluminismo, que prometia a emancipação dos seres humanos pela Razão e o progresso social através do conhecimento científico. Todavia, a Revolução Francesa, mesmo tendo proclamado a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, não concretizou a igualdade entre homens e mulheres, excluídas essas últimas da cidadania e do poder. A Declaração reafirmava a visão masculinizante. Alguns dos filósofos iluministas, como Rousseau, defendiam a subordinação da mulher ao poder masculino, baseados na natureza diversificada entre os gêneros. As mulheres reagiram. A francesa Olympe de Gouges, logo em 1791, elaborou a Declaração dos Direitos das Mulheres e das Cidadãs, manifestando-se contra a exclusão das mulheres dos direitos proclamados dois anos antes, argumentando que a diferença de sexos não deveria servir de respaldo para a desigualdade de direitos entre os mesmos. Um ano depois, a escritora inglesa Mary Wollstonecraft escreveu um livro sobre as reivindicações dos direitos das mulheres, tais como a cidadania e uma educação igual para ambos os sexos.
Essas duas mulheres são referências históricas para as lutas das mulheres no século XIX, que assumiram duas direções: a) reivindicação (liberal) de participação na esfera pública, com o reconhecimento de seu direito à cidadania, mediante o acesso ao voto (movimento sufragista); b) denúncias e movimentos contra a repressão de mulheres no espaço doméstico e no trabalho, de orientação socialista utópica, socialista marxista e anarquista.
Nesta época, em decorrência da Revolução Industrial, muitas mulheres pobres ingressaram nas fábricas, o que era de interesse do próprio sistema capitalista, por se considerá-las uma mão-de-obra mais dócil e mais barata do que a masculina. Elas cumpriam longas jornadas de trabalho e recebiam salários inferiores aos dos operários homens. Interessavam, ainda, ao sistema como reprodutoras da classe trabalhadora, para aumentarem o exército industrial de reserva. Uma das reações a tais condições abusivas de trabalho deu origem ao Dia Internacional da Mulher – 8 de Março. (No Dia 8 de março de 1857, em Nova York (Estados Unidos) operárias de uma fábrica de tecidos fizeram uma grande greve, ocupando a fábrica e reivindicando melhores condições de trabalho, tais como: redução na jornada de trabalho para dez horas (elas trabalhavam 16 horas diárias), equiparação de salários com os homens (elas recebiam até um terço do salário de um homem, para executar o mesmo tipo de trabalho) e tratamento digno dentro do ambiente de trabalho. A manifestação foi duramente reprimida: as mulheres foram trancadas na fábrica e esta, incendiada, tendo morrido carbonizadas 130 tecelãs. Em homenagem a estas mulheres, foi decidido em 1910, na Dinamarca, que o dia 8 de março passaria a se o Dia Internacional da Mulher. A data somente foi oficializada pela ONU (Organização das Nações Unidas) em 1975.
O esperado progresso científico não melhorou a sorte feminina. Alguns setores do mundo da ciência formularam – ou deram suporte a – teorias reiterando a inferioridade da mulher em relação ao homem. Mas as lutas feministas continuaram. O movimento sufragista, já no século XX, vai alcançando o direito de voto feminino nos Estados Unidos e em vários países da Europa ocidental e da América Latina, a exemplo do Brasil, onde as mulheres alcançaram esse direito em 1932, durante o 1º governo Vargas. Aliás, no Brasil, no século anterior, houve uma notável precursora do feminismo, a norte-riograndense Nísia Floresta: abolicionista, republicana, tradutora do livro de Mary Wollstonecraft (já em 1832!) e educadora de meninas.
Com a 2ª. Guerra Mundial, e estando os homens envolvidos no conflito armado, milhares de mulheres ocuparam seus postos de serviço em indústrias dos países beligerantes, como Inglaterra, França, Estados Unidos, Alemanha, além da União Soviética, onde o esforço de recuperação do atraso econômico levou a um intensivo emprego de mão-de-obra feminina no mercado de trabalho, em condições bastante penosas. Essa presença no mercado de trabalho mudou o perfil da classe trabalhadora e desencadeou importantes mudanças de comportamento e de valores entre as mulheres. A um ponto tal que, nos Estados Unidos, depois do término da guerra, houve até campanhas para que elas retornassem aos lares e reassumissem (apenas) os seus papéis tradicionais, como donas de casa. Nem todas, porém, aceitaram esse retorno. Já na década de 1960, eclodiram muitos movimentos sociais de contestação às diferenças sociais. Entre eles, o das mulheres estadunidenses contra a sua subalternidade e exclusão do poder, por sua autonomia e direitos. Na mesma época, a pílula anticoncepcional revolucionou os costumes e promoveu a liberação sexual, afetando as relações afetivas, familiares e as concepções de maternidade.
Os movimentos feministas ganharam as ruas, em intensas mobilizações pelo mundo inteiro, internacionalizando-se, desde 1975, através de Conferências Mundiais. Enquanto as mulheres iam ocupando e ampliando os espaços no mercado de trabalho, exercendo funções públicas, os movimentos feministas foram reivindicando políticas públicas específicas para as mulheres, no tocante a direitos reprodutivos, saúde de um modo geral, por educação, por acesso a representações partidárias, contra a discriminação e a violência. Muitos governos e organismos internacionais passaram a incorporar as questões relativas às mulheres em suas agendas. E, também, as mulheres foram produzindo uma massa enorme de estudos, pesquisas, debates sobre a sua condição, em variados campos do conhecimento: História, Sociologia, Ciência Política, Antropologia, Direito, Educação, Biologia, Medicina etc. A partir dos anos de 1960-1970, os Estudos de Gênero se constituíram em um dos maiores campos de estudo de Universidades de todo o mundo.
O conceito de Gênero: elementos teóricos
Com os movimentos feministas, o(a)s estudioso(a)s das questões das mulheres deram novos significados à palavra Gênero. Desde o século XV, o termo significava “um conjunto de propriedades comuns que caracterizam um dado grupo social ou classe de seres ou de objetos” (Dicionário Houaiss). Se aplicarmos esse significado às relações entre homens e mulheres, o gênero masculino caracteriza os homens como um conjunto de seres com determinadas características e o gênero feminino como um (outro) conjunto de mulheres com (outras) determinadas características. Recapitulando o que foi dito anteriormente, a caracterização de masculino e feminino, e sua distinção, em muitas culturas, com particularidade na Europa ocidental, tomou como base as diferenças biológicas/corporais e, depois, a estas associou diferenças psicológicas. As mulheres foram classificadas como seres determinados pela natureza (o corpo era algo considerado algo natural) e, por isso, eram-lhes determinados os papéis de esposas e mães. Essa concepção acerca das mulheres, desde cedo, associou uma outra imagem: elas deveriam servir à procriação da espécie. E mais outra: o sexo deveria servir, fundamentalmente, à procriação. Sob a influência do Catolicismo oficial (Roma), o sexo exercido como prazer foi considerado pecado. Dessas concepções, inferiu-se que as mulheres deveriam permanecer no espaço doméstico, da vida privada, familiar, exercendo um trabalho não remunerado, como gestoras da família.
O Feminismo realizou uma critica de tais concepções e reformulou, à luz de estudos e pesquisas, o significado de Gênero como:
a) uma construção sociocultural e não uma relação pré-determinada, pré-estabelecida: ou seja, nem mesmo as diferenças biológicas existentes entre homens e mulheres são apenas “naturais”, porque os modos de encarar o corpo (masculino e feminino) são elaborados na vida social, das diversas culturas/sociedades. Também não é uma relação pré-determinada por diferenças psicológicas (homem=racionalidade; mulher=afetividade), porque os indivíduos não se constituem por si sós, mas nas interações sociais. Assim, se desmistifica que a condição de mulher seja naturalista, isto é, que o fato dela ter características biológicas distintas do homem determina a sua situação de subalternidade e de inferioridade bem como o seu papel predestinado, obrigatório, para exercer a maternidade. Outros conceitos vinculados a gênero são igualmente construções socioculturais, tais como: família, infância, cuidado, responsabilidade;
b) uma dimensão da vida humana, socialmente construída: as identidades pessoais e sociais e as relações entre homens e mulheres fazem parte da nossa vivência. São distintas, mas complementares, às distinções biológicas/corporais. Nestes termos, o sexo e a sexualidade passam a ser considerados não apenas vinculados ao lado “animal” da espécie humana, mas como expressão de sua humanidade;
c) uma construção histórica, no tempo e no espaço, portanto, variável de acordo com as épocas e lugares, as sociedades/culturas e no interior destas: não há uma identidade masculina e uma identidade feminina única, fixa e imutável, universal, válida para todos os tempos e espaços. Embora possa haver semelhanças de concepções sobre o ser masculino e o ser feminino, entre várias sociedades e grupos sociais, tais concepções apresentam diferenças. Tampouco, o mundo está organizado de forma binária: homens de um lado, mulheres, de outro, como, por muito tempo, se concebeu e se transmitiu, pois, no interior de cada um desses dois conjuntos há, também, situações e concepções diversas de masculinidade e feminilidade. Em síntese: a vida humana, as suas experiências, são múltiplas e bem mais complexas do que os modos como as classificamos e interpretamos. A concepção binária masculino-feminino constitui o padrão dominante para normatizar um modelo de comportamento de base religiosa, científica, educativa, jurídica, política, segundo o qual homens e mulheres deveriam se pautar. Um exemplo: a virilidade associada ao homem: o sujeito do sexo masculino que não exibir características consideradas, viris, é considerado efeminado. Dizer que as relações de gênero foram historicamente desenvolvidas, significa que os papéis sociais de homens e mulheres foram sendo elaborados ao longo do tempo, em várias épocas: tanto que as concepções sobre maternidade não são as mesmas em todas as sociedades; em algumas delas, fora da Europa ocidental e dos países europeizados, ser mãe não carrega a imagem de sacrifício e abnegação que se tem naquelas culturas;
d) os modos como as sociedades e os grupos sociais interpretam e dão significado às diferenças entre os sexos e as relações que se estabelecem entre si, tais como os impulsos sexuais, os relacionamentos afetivos, a reprodução da espécie humanas, e compreendem representações, imagens, práticas sociais, valores;
e) um conceito abrangente relacionado a vários outros elementos constitutivos das identidades de homens e mulheres, tais como classe social, etnia, geração, religião, etc. Basta lembrar como exemplos as diferenças entre mulheres brancas e mulheres negras e indígenas, mulheres dos grupos sociais dominantes e mulheres das classes subalternas, mulheres jovens e mulheres idosas;
f) um conceito que significa relações de poder: “gênero é uma forma primeira de significar as relações de poder” (SCOTT, 1992). Ao se tratar de relações de gênero, necessariamente, se trata das concepções e práticas sociais que acentuam ou enfatizam o poder masculino sobre as mulheres e, mais amplamente, na sociedade; “o acesso diferenciado dos dois gêneros aos recursos naturais, culturais e simbólicos, tanto para mulheres como para homens. O gênero, tal como é vivenciado, legitima as relações de poder e marca uma forma de valorização social e política, que transcende o próprio gênero”. (GUIMARÃES, 2002, p. 19). Neste sentido, pode-se afirmar que a opressão masculina é uma relação que
mulheres das diversas culturas têm em comum, muito embora sejam variáveis as formas com que são oprimidas. Por outro lado, considerando que os gêneros são construídos na diversidade, é importante entender que também há relações de poder no interior de cada gênero: de mulheres sobre mulheres, de homens sobre homens;
g) um conceito que serviu e serve para classificar e para desclassificar: os termos masculino e feminino têm sido empregados para designar as diferenças entre homens e mulheres, com base no corpo, nas distinções anatômicas, classificando-os, apontando as suas alteridades. Ao mesmo tempo, na medida em que esta classificação/interpretação associa determinados qualificativos aos homens e outros, às mulheres, criou/cria uma desclassificação destas últimas, tanto nas práticas sociais quanto nos discursos. É por isso que muito(a)s estudioso(a)s de Gênero apontam a importância e a necessidade de desconstruir, explicitar o que tais discursos significam; e de construir outras concepções de gênero, baseadas em relações mais simétricas;
h) um conceito que supera a divisão entre esfera pública e esfera privada, como a classificação binária do mundo (homem=espaço público; mulher=espaço privado) construiu nas relações sociais e socializou por muito tempo. Sobretudo no mundo atual, quando a relação entre os gêneros tem passado por muitas transformações – homens que viram donos de casa, que adotam filhos; mulheres que assumem posições públicas, antes domínio masculino, é possível compreender que as duas esferas se interpenetram e se complementam;
i) uma possibilidade de mudança na situação de opressão: as práticas sociais objetivas de relacionamentos entre homens e mulheres são elementos constitutivos de suas identidades, assim como os conceitos, as imagens, os símbolos, as interpretações sobre tais relações, que os sujeitos internalizam. Este conjunto de elementos objetivos e subjetivos configura as identidades. Em outros termos, de acordo com as percepções, a compreensão que temos como sujeitos sociais, podemos aceitar uma determinada situação ou não. As mulheres podem se submeter à opressão ou podem recusá-la.
A violência contra as mulheres: uma reflexão
As mulheres desempenha(ra)m na História papéis de considerável importância, mesmo quando ainda restritas ao espaço privado, como esteio da reprodução familiar. Com a conquista do espaço público, ampliaram a sua atuação e hoje exercem as mais diversas profissões, inclusive aquelas que, durante muito tempo, eram consideradas masculinas. De dirigidas, passaram a dirigentes, tanto chefiando famílias quanto empresas e instituições políticas.
No entanto, apesar de todo o avanço da questão feminista, sobretudo a partir da 2ª metade do século XX, ainda é bastante forte a discriminação e a violência praticadas contra as mulheres, nas mais diversas sociedades, nelas incluída a brasileira. Agressões, assédio sexual, espancamentos, estupros, assassinatos, violência simbólica, são algumas das formas de violência contra as mulheres, presentes na vida cotidiana, de forma explícita ou, muitas vezes, silenciadas. Afora a antiga e persistente mercantilização do corpo (a prostituição), a que muitas mulheres se submetem para sobreviver, agora atualizada pelo turismo sexual. Estas violações são de conhecimento da população e a preocupam, conforme pode ser visto no texto abaixo:
• De 2004 a 2006 aumentou o nível de preocupação com a violência doméstica em todas as regiões do país, menos no Norte / Centro-Oeste, que já tem o patamar mais alto (62%). Nas regiões Sudeste e Sul o nível de preocupação cresceu, respectivamente, 7 e 6 pontos percentuais. Na periferia das grandes cidades esta preocupação passou de 43%, em 2004, para 56%, em 2006.
• 33% apontam a violência contra as mulheres dentro e fora de casa como o problema que mais preocupa a brasileira na atualidade.
• 51% dos entrevistados declaram conhecer ao menos uma mulher que é ou foi agredida por seu companheiro.
• Em cada quatro entrevistados, três consideram que as penas aplicadas nos casos de violência contra a mulher são irrelevantes e que a justiça trata este drama vivido pelas mulheres como um assunto pouco importante.
• 54% dos entrevistados acham que os serviços de atendimento a casos de violência contra as mulheres não funcionam.
• Nove em cada 10 mulheres lembram de ter assistido ou ouvido campanhas contra a violência à mulher na TV ou rádio.
• 65% dos entrevistados acreditam que atualmente as mulheres denunciam mais quando são agredidas. Destes, 46% atribuem o maior número de denúncias ao fato de que as mulheres estão mais informadas e 35% acham que é porque hoje elas são mais independentes.

• 64% acham que o homem que agride a mulher deve ser preso (na opinião tanto de homens como mulheres); prestar trabalho comunitário (21%); e doar cesta básica (12%). Um segmento menor prefere que o agressor seja encaminhado para: grupo de apoio (29%); ou terapia de casal (13%).
• Perguntados sobre o que acham que acontece quando a mulher denuncia, 33% dos entrevistados afirmaram que “Quando o marido fica sabendo, ele reage e ela apanha mais”; 27% responderam que não acontece nada com o agressor; 21% crêem que o agressor vai preso; enquanto 12% supõem que o agressor recebe uma multa ou é obrigado a doar uma cesta básica. (Pesquisa IBOPE/Instituto Patrícia Galvão, 2006. http://www.patriciagalvao.org.br/).
Então, cabe uma indagação e, portanto uma reflexão, sobre as razões pelas quais ocorre essa discriminação e violência. Uma resposta mais geral é a persistência de uma mentalidade patriarcal e machista, que continua enraizada nas mentes de homens e, também, de muitas mulheres, apesar das transformações socioculturais nas formas de sexualidade, nas relações afetivas, nas estruturas e convivências familiares. Ainda há muita gente que continua com padrões masculinizantes de interpretar o mundo e exercer as práticas sociais. Muitas pessoas que enxergam o Outro com preconceito, desqualificação e julgamento moralista, por este (ser humano) não pensar e agir do mesmo modo que elas pensam e agem, especialmente em torno dessa problemática espinhosa que é o relacionamento de Gênero.
Naturalizar as diferenças entre sexos como algo dado, imutável, é reduzir não só a humanidade do Outro, mas a própria. Homens e mulheres são seres humanos diferentes em termos mais especificamente biológico-anatômicos, mas devem compartilhar a sua humanidade, que requer relacionamentos mais simétricos, sem preconceito, desqualificação, discriminação, hierarquização de sexos e, sobretudo, sem violência.
Não é fácil quebrar certos padrões sexistas de relacionamentos sociais entre homens e mulheres, principalmente para quem deles se utiliza para exercer poder sobre o Outro, oprimir o Outro.
Qual é o papel da Escola diante desta problemática? Reproduzir essas situações de discriminação e violência ou desenvolver uma cultura pela efetivação dos Direitos Humanos?
A garantia da diversidade de Gênero e os direitos da mulher no Brasil
A maior presença das mulheres no âmbito da população mundial – 52% em 2006 –, a sua expressiva participação na População Economicamente Ativa (PEA) e, ainda, a imensa rede de movimentos e organizações feministas, de vários campos (saúde, educação, violência, trabalho etc.), todos estes fatores concorreram como pressão para que organismos internacionais e Governos nacionais contemplassem os direitos à diversidade de Gênero, tanto em termos de intenções políticas quanto de codificação jurídica e de implementação de políticas públicas específicas para o segmento feminino.
No plano internacional, muitos documentos foram exarados no sentido de garantir os direitos das mulheres. No plano nacional brasileiro, depois das muitas lutas e movimentos de mulheres desde as primeiras décadas do século XX, elas ampliaram suas conquistas a partir da década de 1980. Em 1985, foi criado o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), vinculado ao Ministério da Justiça, Mais recentemente, a Constituição de 1988 estipulou vários dispositivos que amparam os direitos das mulheres, entre outros:

TÍTULO I
Dos Princípios Fundamentais
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana
Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
II - prevalência dos direitos humanos;
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.
TÍTULO II
Dos Direitos e Garantias Fundamentais
CAPÍTULO I
DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
IX - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;
TÍTULO VIII
Da Ordem Social
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL.CF, 1988).
No 1º dia do Governo Lula, 1º de janeiro de 2003, foi criada a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, no âmbito do Governo Federal, com status de ministério, “para desenvolver ações conjuntas com todos os Ministérios e Secretarias Especiais, tendo como desafio a incorporação das especificidades das mulheres nas políticas públicas e o estabelecimento das condições necessárias para a sua plena cidadania.” (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, Portal Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, home).
Nos estados e em muitos municípios, foram sendo criados setores institucionais correspondentes, encarregados de políticas públicas para mulheres.
Em 2005, o Governo Federal elaborou o I Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, publicado em 2006. Em março de 2008, foi lançado o II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, atualizando o anterior e introduzindo novas áreas estratégicas de políticas públicas para as mulheres. No que diz respeito à questão da violência, em 07.08. 2006, foi assinada a Lei nº 11.340., mais conhecida como Maria da Penha, que: “Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8 o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências.” (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, Portal).
Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres: Atualmente, há, nos vários níveis de governo: federal, estaduais, municipais, programas que desenvolvem políticas públicas para mulheres. Além disso, vários centros de referência ou atendimento a mulheres em situação de violência, como Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs), Defensorias Públicas da Mulher, Casas Abrigo. Pode-se dizer que o Brasil avançou muito nesta questão de Gênero, nas últimas três décadas, mas ainda muito há por fazer, para que os direitos das mulheres sejam efetivados nas práticas sociais.
 Rosa Maria Godoy Silveira (Pós-Doutorado em História. Docente da Universidade Federal da Paraíba, nos Mestrados de História e de Ciências Jurídicas/Área de Direitos Humanos).

Nenhum comentário:

Postar um comentário