"Os Direitos Humanos no Brasil são uma questão marcada
por contradições. Neste tema, todo passo à frente dado pelo País é seguido por
um passo atrás". Essa é a definição do assessor de Direitos Humanos da
Anistia Internacional no Brasil, Maurício Santoro, comentou as informações presentes no
relatório anual sobre as violações de Direitos Humanos registradas ao longo de
2012.
"O Brasil é um país com ótimas leis, mas que não são
cumpridas", diz Santoro. "Existe um déficit de Justiça muito
grande".
No capítulo reservado para o Brasil, o documento cita o
número crescente de homicídios cometidos por policiais - qualificados como
"autos de resistência" - e as péssimas condições do sistema
carcerário, passando pela violação dos direitos à terra e pela impunidade dos
agentes da ditadura.
Para Santoro, no mesmo ano em que o País criou a Comissão da
Verdade para revelar os crimes cometidos na ditadura, as autoridades policiais
seguiram empregando força excessiva e torturas no sistema carcerário. "Há
uma grande dificuldade em se controlar os abusos contra os direitos humanos
cometidos pelos policias no Brasil." Segundo a instituição, o sistema
carcerário, em vez de recuperar os infratores, é caracterizado por proporcionar
condições cruéis, desumanas e degradantes aos detentos.
O relatório destaca que, hoje, o Brasil tem um déficit de
mais de 200 mil vagas no sistema carcerário e que o número de presos não para
de aumentar. A combinação destes dois elementos gera uma superlotação do
sistema que implica em condições degradantes para os presos. No estado do
Amazonas, por exemplo, uma visita da Anistia Internacional constatou que os
detentos eram mantidos em celas fétidas, superlotadas e inseguras. Mulheres e
menores eram detidos nas mesmas unidades que os homens. Houve vários relatos de
tortura, tais como sufocamento com sacola plástica, espancamentos e choques
elétricos. A maioria das denúncias envolvia policiais militares do estado.
Ainda de acordo com a Anistia Internacional, a ausência de
poder punitivo da Comissão da Verdade - instituída para investigar as violações
aos Direitos Humanos durante a ditadura - vai na contramão das decisões de
outros países da região como Argentina e Uruguai. "A Lei da Anistia
brasileira já foi considera sem valor legal por diversos organismos
internacionais. A sensação de impunidade em relação aos crimes autoridades é
perceptível e espalhada pelos diversos setores sociais", argumenta
Santoro.
Desenvolvimento econômico e direitos sociais
Outra contradição apontada pelo relatório refere-se à
melhoria da condição de vida dos brasileiros, amparada pelo crescimento econômico
e pela distribuição de renda, e a perda de direitos fundamentais de populações
carentes.
Ao mesmo tempo em que a situação socioeconômica melhorou,
com mais pessoas saindo da pobreza extrema, as moradias e as fontes de
subsistência dos povos indígenas, dos trabalhadores rurais sem terras, das
comunidades de pescadores e dos moradores de favelas em áreas urbanas
continuaram sendo ameaçadas por projetos de desenvolvimento, destaca o
documento. Figuram nesta lista de violações as remoções forçadas em áreas
rurais e urbanas para as obras da Copa do Mundo e para os grandes projetos de
desenvolvimento, como as hidrelétricas de Belo Monte e de Jirau e a expansão do
agronegócio. A remoção de comunidades carentes no Rio de Janeiro - no Morro da
Providência - e no estado de São Paulo -
na comunidade do Pinheiro e os incêndios nas favelas da capital paulista - são
citadas no relatório.
Outros exemplos dessa disputa são a PEC 215 e Portaria 303,
publicada pela Advocacia Geral da União e, posteriormente, suspensa pelo
Supremo Tribunal Federal. As medidas previam uma redução dos direitos
indígenas. "O ano passado foi marcado por interesses refratários em
relação aos direitos indígenas no Congresso e no Executivo", afirma
Santoro.
A Portaria 303 permitiria que mineradoras, empreendimentos
hidrelétricos e instalações militares se estabelecessem em terras indígenas sem
o consentimento livre, prévio e informado das comunidades afetadas. Já a PEC
215 transferia para o Congresso Nacional o direito à demarcação de terras
indígenas. "Nota-se um interesse em atropelar os direitos indígenas para
se garantir obras de desenvolvimento tidas como necessárias para a soberania
nacional", completa o assessor da Anistia Internacional.
O relatório também recorda os conflitos entre os índios e o
agronegócio no Mato Grosso do Sul, estado responsável por dois terços dos
homicídios de índios no Brasil. O processo de demarcação de terras indígenas no
estado está mais de vinte anos atrasado.
registrado em: Anistia Internacional Brasil - Revista Carta Capital 22/05/2013
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