Processo de emancipação político-administrativa empreendido
pelas colônias ibéricas no continente americano, entre o final do séc. XVIII e
as primeiras décadas do séc. XIX. Os ideais revolucionários foram impulsionados
pelo fortalecimento da elite econômica e intelectual, chamada criolla (descendentes
de espanhóis nascidos na América), pela difusão das ideias liberais da
Revolução Francesa e da independência dos EUA e pelo avanço napoleônico sobre a
Espanha e Portugal. A maioria das colônias espanholas libertou-se entre 1817 e
1825. O Brasil, único país da região colonizado por portugueses, emancipou-se
em 1822. A luta das colônias hispano-americanas por autonomia foi marcada por
diversas guerras entre a metrópole e os rebelados, além de conflitos entre os
revolucionários. Do processo de emancipação emergiram nações divididas, o que
atendia aos interesses da Inglaterra, dos Estados Unidos e das elites locais. O
contexto em que a autonomia foi conquistada e o caminho tomado após a ruptura
do pacto colonial – fragmentação em um grande número de repúblicas, manutenção
do poder das oligarquias rurais, dependência do Capitalismo industrial inglês e
ascensão de caudilhos (chefes militares) – fizeram da independência
latino-americana um movimento fundamentalmente político, destituído de qualquer
reformulação econômica e social.
A Política Colonial
l. As colônias da América Latina
permaneceram sob domínio europeu por mais de 300 anos. Ao longo desse período,
prevaleceram um modelo de colonização exploratória, a ausência de autonomia
político-administrativa e um pacto colonial que impedia o desenvolvimento
econômico da região colonizada.
O monopólio comercial era exercido pela metrópole, que
lucrava duplamente ao comprar matérias-primas a baixos preços para
comercializá-las na Europa e vender às colônias produtos ingleses
manufaturados. A política colonial mercantilista chocava-se com os interesses
econômicos da elite colonial e dos capitalistas ingleses, impedidos de vender
suas mercadorias diretamente aos países da América. Isso explica o empenho da
Inglaterra na independência das colônias ibéricas: o rompimento do pacto
colonial permitiria estabelecer o livre comércio e garantir o desenvolvimento
do Capitalismo industrial.
Ao mesmo tempo que impunham sua política mercantilista, as
metrópoles limitavam o acesso das elites coloniais aos cargos administrativos e
políticos. Na América hispânica, esses postos eram restritos aos chapetones,
elite política, grupo minoritário formado por espanhóis nascidos na metrópole.
Essa situação descontentava os criollos.
No início do séc. XIX, a expansão napoleônica mudou as
relações de poder na Europa e influenciou o processo de emancipação da América
Latina. A não-obediência ao bloqueio continental imposto contra a Inglaterra
levou as tropas de Napoleão a invadir Portugal e a ocupar a Espanha – ver
BLOQUEIO CONTINENTAL. A invasão de Portugal, com a consequente fuga da família
real para o Brasil, provocou o rompimento do pacto colonial luso-brasileiro e
acelerou o processo de independência do Brasil – ver INDEPENDÊNCIA do BRASIL. A
ocupação da Espanha e a ascensão de José Bonaparte, irmão de Napoleão, ao trono
espanhol desencadearam o processo de independência nas colônias
hispano-americanas.
A América Espanhola - no início do séc. XIX, as possessões
coloniais da Espanha na América Latina estavam divididas em quatro
vice-reinados e quatro capitanias gerais. Havia os vice-reinados de Nova
Espanha (México e parte do território que atualmente pertence aos EUA), Nova
Granada (Colômbia e Equador), Prata (Argentina, Uruguai, Bolívia e Paraguai) e
Peru. As capitanias gerais eram representadas por Cuba, Guatemala, Venezuela e
Chile.
Nessa época, a sociedade hispano-americana era formada por
chapetones, criollos, mestiços (descendentes de índios e espanhóis) e
indígenas. Apesar de serem minoria, os criollos dominavam todos os aspectos da
vida colonial. Mas seus interesses divergiam. Os criollos eram partidários do
livre comércio e da expansão dos setores produtivos, enquanto os chapetones
defendiam a manutenção do monopólio metropolitano.
Primeiras Tentativas de Independência. O processo de
independência hispano-americano teve início em 1780, quando Tupac Amaru
comandou uma insurreição de 60 mil indígenas contra o domínio espanhol. A
rebelião só foi totalmente esmagada pelos espanhóis em 1783. Em 1804, escravos
revoltaram-se contra a elite branca e proclamaram a independência do Haiti, o
segundo país da América a conseguir livrar-se do domínio europeu – o primeiro
foram os EUA. Um ex-escravo negro, Toussaint L’Ouverture, foi o principal líder
dos haitianos na luta pela liberdade.
Em 1811, explodiu na Venezuela um movimento emancipatório
inspirado na independência norte-americana. Essa rebelião foi comandada pelo
criollo Francisco Miranda, tendo sido vitoriosa temporariamente. A Venezuela
proclamou sua independência em 1811, mas em 1812 uma contraofensiva do Exército
espanhol derrotou os revolucionários e restabeleceu a condição de colônia na
capitania. Miranda foi preso e deportado, morrendo em uma masmorra espanhola.
As Guerras de Independência - A ascensão de José I, irmão de
Napoleão, ao trono espanhol, em 1808, estimulou o movimento de emancipação da
América espanhola. Os criollos organizaram-se em cabildos (câmaras municipais)
e constituíram juntas governativas, assumindo a administração das colônias. Com
a restauração da monarquia em 1814, no entanto, a Espanha voltou a reprimir os
movimentos separatistas, derrotando-os.
Com o apoio da Inglaterra, livre da ameaça francesa após a
derrota de Napoleão em 1815, e dos EUA que, em 1823, proclamaram a Doutrina
Monroe, garantindo proteção às nações recém-independentes contra a
interferência das potências europeias, o movimento de autonomia da América
espanhola viria a triunfar. A luta pela independência reiniciou-se em 1817 e
terminou vitoriosa em 1825.
Dois movimentos revolucionários percorreram e libertaram a
maioria das colônias. Do sul partiu o Exército liderado pelo general argentino
José de San Martín, que conquistou a independência da Argentina, do Chile e do
Peru. Da Venezuela, o general Simón Bolívar desencadeou a campanha militar que
culminou na libertação desse país, da Colômbia, do Equador e da Bolívia. Seu
exército participou também da libertação do Peru.
Em 1822, San Martín e Bolívar encontraram-se em Guayaquil,
no Equador, para discutir o futuro das ex-colônias. Bolívar defendia a unidade
política, com a formação de uma federação de repúblicas, a criação de uma força
militar comum e a abolição da escravidão, entre outras medidas. San Martín
defendia um governo monárquico constitucional, mas aderiu à ideia de Bolívar.
Essa tese foi discutida no Congresso do Panamá, em 1826, sendo rejeitada.
Ao norte, o processo de independência do México havia
começado em 1810, quando uma insurreição popular comandada por Miguel Hidalgo,
padre Morellos e Vicente Guerrero opôs-se ao mesmo tempo à dominação espanhola
e aos criollos. Formados por mestiços e índios, os revolucionários
reivindicavam o fim da escravidão, a divisão das terras e a abolição de
tributos, mas foram derrotados. A elite criolla assumiu o comando da luta pela
independência, proclamada em 1821 pelo general Agustín Itúrbide, que se sagrou
imperador em 1822 sob o título Agustín I. Um ano depois, foi deposto e fuzilado
num levante republicano.
A América Central, que havia sido anexada ao México por
Itúrbide, tornou-se independente em 1823, dando origem às Províncias Unidas da
América Central. Em 1838, essas províncias se desmembraram em Guatemala,
Honduras, Nicarágua, Costa Rica e El Salvador. O Panamá obteve a independência
em 1821 e a República Dominicana, em 1844. Cuba permaneceu como a última
possessão espanhola no continente até a Guerra Hispano-Americana, em 1898.
Na América do Sul, o Uruguai, que se libertara do domínio
espanhol em 1811, foi anexado pelo Brasil como Província Cisplatina em 1821,
obtendo a independência em 1828. O Paraguai proclamou-se independente em 1813,
constituindo uma república chefiada pelo criollo Gaspar Francia. Na Argentina,
a emancipação declarada em 1816 só foi consolidada pela campanha militar de
Manuel Belgrano e San Martín. O Chile tornou-se independente em 1818 graças à
atuação dos Exércitos de San Martín e de Bernardo O’Higgins. O general
argentino libertou Lima, o maior centro de resistência da Espanha no território
colonial, em 1821. A independência peruana foi consolidada pelo Exército de
Simón Bolívar, em 1824, quando o general Sucre, lugar-tenente de Bolívar,
derrotou os espanhóis na Batalha de Ayacucho. A libertação da Venezuela foi
efetivada em 1817; a da Colômbia, em 1819; a do Equador, em 1821; e a da
Bolívia, em 1825 – todas por intermédio do Exército de Bolívar.
Pós-Independência - Ao contrário da América portuguesa, que
manteve a unidade territorial e o regime monárquico após a independência, a
América espanhola dividiu-se em várias nações e adotou o regime republicano.
O sonho de unidade (pan-americanismo ou bolivarismo) acalentado por Simón
Bolívar no Congresso do Panamá (1826) chocou-se com os interesses das
oligarquias locais – como a brasileira, comprometida com a monarquia escravista
de Dom Pedro I – e com a oposição dos EUA e da Inglaterra, que apostavam na
divisão política das nações recém-independentes como forma de expandir sua
influência na América Latina. Após o fracasso da Conferência do Panamá, a
América Latina fragmentou-se politicamente, dando origem a quase duas dezenas
de pequenos Estados, governados pela aristocracia criolla.
O rompimento do pacto colonial e a liberdade
político-administrativa passaram longe de mudanças sociais e econômicas. Velhas
estruturas coloniais foram preservadas e a dependência econômica apenas mudou
de endereço, transferindo-se da Espanha para a Inglaterra. Às incipientes
repúblicas latino-americanas, divididas e enfraquecidas, coube o papel de
continuar a fornecer matérias-primas e consumir produtos ingleses
manufaturados. No campo político, como o processo de independência havia
destacado o papel do Exército, as instituições civis permaneceram
desorganizadas, o que possibilitou a ascensão de líderes militares,
autoritários e personalistas – os caudilhos – em boa parte das ex-colônias.
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